Falta de intensivistas na pandemia expõe riscos da atuação médica
Dados da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) mostram escassez em todo país; para especialista, há falha estrutural do sistema de saúde brasileiro
A pandemia e o colapso do sistema de saúde destacaram um problema antigo do Brasil: a escassez de médicos intensivistas, profissionais especializados no tratamento de pacientes graves em urgência e emergência nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI) dos hospitais. De Norte a Sul do país, faltam médicos intensivistas. Apenas 1,6% dos médicos registrados no Brasil, de um total de 500 mil, têm a titulação de intensivista. Isso significa, em números exatos, 8.239 profissionais. Os dados são do levantamento deste ano da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib).
Para a entidade, o ideal seria uma quantidade cinco vezes maior. E a escassez desses profissionais já era uma realidade muito antes da pandemia, em 2018, quando foi feito o penúltimo levantamento pela Amib: havia apenas 6.500 médicos intensivistas titulados.
No dia a dia das UTIs, ainda no cenário pré-Covid, era comum verificar médicos experientes com especializações em clínica médica, cirurgia-geral e anestesia, por exemplo, trabalharem como plantonistas. Os conselhos que regem a atividade médica apontam que não é obrigatório o médico ser especialista em medicina intensiva para dar plantão em UTIs.
Desde o início da pandemia, quando aumentou a necessidade de profissionais não só intensivistas, mas de várias especialidades para trabalharem nos hospitais de campanha, UTIs e Unidades de Pronto Atendimento (UPA), a solução foi fazer um esforço de mão de obra às pressas. Assim, médicos recém-formados e residentes preencheram essa lacuna atuando na medicina intensiva.
Na avaliação do advogado Renato Assis, especialista em Direito Médico, desde o início da pandemia, os médicos estão sob grande pressão e a falta de intensivistas não é acidental, mas sim uma falha estrutural do sistema de saúde brasileiro. “Independentemente da estrutura de insumos e equipamentos dos hospitais, faltam profissionais especializados.”
Ele faz um alerta sobre a questão dos médicos atuando fora da especialidade para preencher essa lacuna, sejam eles recém-formados ou não. “Esse é o grande drama que os médicos têm vivido e um grande dilema ético em atuar fora da especialidade. De um lado, você tem a obrigação e a necessidade de salvar vidas. E de outro, você trabalha no limite de cometer um erro médico ou um ato de imperícia, por não ter todo o conhecimento profundo”, afirma Renato Assis que é também conselheiro jurídico e científico da Anadem (Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética).
“Por terem que realizar procedimentos e técnicas nos quais não possuem treinamento ou prática, esses profissionais estão sujeitos a cometerem erro médico por imperícia e, assim, serem responsabilizados civil, ética e criminalmente por isso. O erro médico acontece quando o profissional de medicina executa uma atividade com imprudência, imperícia ou negligência”, explica Renato Assis.
O Conselho Federal de Medicina considera erro médico também o dano provocado no paciente, ainda que o médico não tivesse a intenção de cometê-lo, seja porque agiu ou deixou de agir durante o exercício profissional.
O advogado destaca ainda que, em muitos casos, insatisfações de pacientes e familiares geram mais ações judiciais do que o próprio erro médico. Segundo explica, é uma situação real tanto para recém-formados, que lidam com a medicina intensiva, quanto para os próprios médicos intensivistas. O motivo: a responsabilidade é grande na hora da tomada de decisão em momentos de urgência.
“As pessoas estão morrendo, eles têm que fazer escolhas de quem vive e quem morre, quem vai ser intubado, quem vai continuar na fila, quem vai usar ou não o respirador. É muito difícil tomar essas decisões. É uma decisão técnica. Nem todos estão preparados. Então, a existência de uma eventual insatisfação, independentemente de um erro, pode acontecer a qualquer momento”, finaliza.