Investimento em biotecnologia no Brasil: incipiente, mas com potencial de impacto global

Gabriel Bottós, co-fundador e CEO da Vesper Ventures

Nunca em nossa sociedade tivemos tantas mudanças e, mesmo assim, precisamos urgentemente mudar. Nas questões ambientais, estamos ainda longe de bater as metas de descarbonização necessárias. Segundo a ONU, as emissões globais de dióxido de carbono precisam ser reduzidas em 45% até 2030 em relação aos níveis de 2010 e atingir emissões líquidas zero até 2050. Estamos num momento quase que irreversível e o custo dessa negligência não terá precedentes. 

Em termos sociais, os desafios de segurança, educação e saúde públicas de qualidade, segurança alimentar, dentre muitos outros, ainda apresentam números alarmantes. 

Nos últimos anos vemos um movimento crescente de investidores e empresas buscando deixar o “lucro a qualquer custo” para os investimentos de impacto. A mentalidade de muitos investidores já mudou, e hoje já estão convencidos que, sim, é possível combinar um excelente retorno financeiro e ativos que geram impacto positivo para a sociedade e para o mundo.

Aos poucos, apesar de ainda num ritmo abaixo do desejado, o capital está se tornando mais paciente, mais responsável e mais altruísta. Mesmo os investimentos de risco, voltados para a criação de startups.

No entanto, ao observarmos o portfólio dos fundos de investimentos de impacto brasileiros, nota-se uma concentração quase que absoluta em plataformas digitais e financeiras para acesso à saúde, educação, dentre outros. Apesar de serem soluções extremamente interessantes e inovadoras, com grande impacto para a sociedade, ainda se fala pouco de uma outra palavra: Biotecnologia. 

Com exceção da produção de etanol, setor que, para o espanto de alguns, ainda está engatinhando em termos de investimentos em inovação biotecnológica, o tema ainda é desconhecido da maioria dos investidores brasileiros.

Apesar dos inúmeros diferenciais comparativos do Brasil em termos de capacidade científica e biodiversidade, a biotecnologia raramente é mencionada nas mesas de negociação. Isso explica ato de não termos tradição no desenvolvimento de terapias avançadas, apesar de termos o maior sistema público de saúde do mundo, e mesmo no nosso principal “pilar econômico” – o agronegócio -, ainda somos reféns de tecnologias hoje dominadas por um punhado de multinacionais europeias, americanas e chinesas. Nosso agro é forte, sim. Fortemente dependente de tecnologia internacional.

Mas isso está para mudar. Startups de biotecnologia avançadas localizadas em Florianópolis (SC) estão para revolucionar a agricultura. A Symbiomics está combinando alta tecnologia para criar microrganismos de alto desempenho para substituição de fertilizantes químicos. Já a Inedita Bio patenteou uma nova técnica de edição genômica de sementes sem transgenia para desenvolver plantas resistentes a pragas e pestes, por sua vez eliminando a necessidade de pesticidas químicos. Com inovações globais voltados ao agronegócio e reflorestamento, juntas, essas duas startups possuem tecnologia capaz de reduzir milhões de toneladas de CO2 da atmosfera anualmente, ao mesmo tempo que aumentam a produtividade agrícola. 

A biotecnologia é um dos principais setores de venture capital nos EUA, movimentando centenas de bilhões de dólares anualmente, e criando inúmeras soluções desde tecnologias agrícolas mais sustentáveis até terapias avançadas para doenças que hoje não possuem sequer tratamento. Um levantamento recente realizado pela Universidade do Arizona listou as moléculas mais valiosas de 2022, sendo a HUMIRA, utilizada para o tratamento de Artrite Reumatoide, dentre outras doenças, a que melhor se posicionou, atingindo o valor US$ 21 bilhões. Lembre-se, trata-se de apenas uma molécula.

A biotecnologia médica, provavelmente a área mais desconhecida e inexplorada no Brasil, talvez seja uma das grandes áreas de negócio no futuro. Prova disso são as startups Aptah Bio, que está desenvolvendo uma molécula para tratar o Alzheimer e diversos tipos de câncer; e a Vyro Bio, que planeja realizar, em breve, no Brasil, o primeiro teste clínico fase zero para tumores cerebrais utilizando o Zika Virus editado geneticamente. Ambas as soluções, dentre muitas outras voltadas ao tratamento de doenças infecciosas e diagnósticos moleculares de baixo custo, potencialmente poderão fazer sombra a inúmeros investimentos hoje destinados ao “mais do mesmo”.

A visão sobre impacto no Brasil ainda é limitada pelas tecnologias que hoje dominamos e pelo conhecimento do setor privado de investimentos, e isso precisa mudar para que possamos ampliar nossos horizontes e, de fato, sermos protagonistas nas mudanças que queremos ver no mundo.

Há uma quantidade significativa de ideias disruptivas, pesquisa e desenvolvimento de tecnologias buscando oportunidades de investimento. Ao mesmo tempo, ainda há um grande desconhecimento por parte das gestoras de capital de risco de como buscar, avaliar e gerir startups de biotecnologia avançada, as chamadas deep biotechs. A consequência disso é pouco incentivo e falta de inovações que teriam o potencial de tornar o Brasil uma exportadora de soluções, auxiliando milhões de pessoas pelo mundo. Afinal, a dor de barriga aqui é a mesma que no Japão.

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