Arie Halpern: debate sobre punições nas redes sociais volta à pauta
18/5/2021 – O debate sobre a legitimidade da moderação de discurso e responsabilização das empresas pelo conteúdo postado nas redes sociais ganhou novo impulso
Punições nas redes sociais precisam políticas e critérios claros aplicáveis a todos.
O debate sobre a legitimidade da moderação de discurso e responsabilização das empresas pelo conteúdo postado nas redes sociais ganhou novo impulso. O endosso do Conselho de Supervisão Independente do Facebook à decisão da plataforma que suspendeu as contas do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, após a invasão do Capitólio por seus apoiadores, acrescenta um novo capítulo às análises e discussões sobre os limites nos canais digitais.
Embora tenha concordado que o risco de violência incentivado pelas postagens justifica a punição, o conselho não concordou que isso fosse feito por um prazo indefinido e deu seis meses para que seja definida e justificada uma punição definitiva.
Os 20 advogados, jornalistas, acadêmicos e ativistas que compõem o conselho, de certa forma, repreenderam a empresa afirmando que ao adotar uma medida sem critérios claros e delegar a decisão ao tentar se isentar de suas responsabilidades. E exigiram a definição de políticas mais claras.
Provavelmente, qualquer decisão do conselho geraria controvérsia e traria o dilema sobre política na era digital de volta à pauta. Durante alguns anos, as empresas evitaram interferir e tentaram ficar à margem da discussão sobre a responsabilidade em caso de discurso de ódio ou incitação à violência sob a alegação de que as redes sociais eram um canal de comunicação e que o conteúdo é gerado por terceiros.
A polarização política crescente em alguns países, inclusive o Brasil, a pressão por parte do público e de algumas autoridades e atos violentos fizeram com que os responsáveis pelas plataformas se sentissem forçados a agir. A formação do Conselho de Supervisão, financiado pela empresa, mas totalmente independente, foi uma das respostas a isso.
Além do Facebook, Instagram, YouTube, Twitter e Snapchat foram algumas das plataformas que tomaram medidas mais rígidas removendo posts ou banindo temporária ou permanentemente as contas do ex-presidente norte-americano após a invasão no início do ano. As duas primeiras suspenderam as contas indefinidamente e o Twitter o vetou definitivamente.
Liberdade de expressão X censura
A principal questão é que essas decisões precisam ser feitas com critérios claros e que sejam aplicados a todos. Nesse caso específico, que sejam especialmente aplicáveis a líderes políticos em qualquer lugar do mundo.
A discussão põe em lados opostos quem defende que, como qualquer outro veículo de comunicação, as empresas responsáveis por redes sociais devem ser responsáveis pelo conteúdo postado em suas plataformas e por suas eventuais consequências.
Do outro lado, estão os que acreditam que, ao terem o poder de julgar o que é postado pelos usuários, passem a exercer o papel de censores e, de acordo com suas posições ou interesses, passem a filtrar conteúdo mesmo que não possam causar danos.
Para evitar a possibilidade de censura, alguns especialistas no tema defendem que as plataformas só deveriam ser responsabilizadas quando determinado pela Justiça, alegando que somente o poder judicial pode determinar o que é lícito ou não.
O cerne da questão parece estar mais na definição do que é ou não liberdade de expressão, o que é garantido por lei em muitos países. Isso de certa forma requer voltar à origem. A garantia da liberdade de expressão foi determinada para que o Estado não cale a voz de quem se opõe, mas isso não significa que não haja limites.
A discussão passa também sobre a forma como é feita a moderação do conteúdo. Revisar milhões de mensagens diariamente requer significativos recursos. Enquanto redes como Tik Tok possuem funcionários próprios para fazer a moderação, outras terceirizam o trabalho para profissionais ou empresas e há as que confiam a tarefa aos algoritmos.
O ex-presidente norte-americano fez sua campanha pelas redes sociais e as usou inclusive como canal de comunicação para anunciar atos de seu governo. Por elas, também fazia denúncias sem comprovação e alegações falsas numa retórica que se tornou conhecida.
No entanto, ao que parece, se não fosse pelo alegado incentivo à invasão violenta ao capitólio, ele continuaria tendo acesso às redes onde interagia com milhões de seguidores? Qual o grau de dano necessário para que as punições sejam aplicadas?
Enquanto a sociedade busca por respostas para os dilemas da era digital, Trump, fiel ao seu estilo, já anunciou que voltará às redes sociais em sua própria plataforma. Segundo consta, uma ferramenta similar ao Twitter.
Mais do que banir temporariamente ou definitivamente o ex-presidente norte-americano das redes sociais, a decisão do conselho de supervisão independente tem o mérito de estimular o debate em torno de um tema fundamental para o futuro de toda a sociedade.
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